Francisca Cardoso: "Até agora copiámos o masculino, é preciso a abordagem feminina"
As futebolistas estão quatro vezes mais expostas às lesões do Ligamento cruzado anterior (LCA) do que os masculinos. Foi com este dado que painel com o Selecionador Nacional feminino, Francisco Neto, a atual diretora do Valadares Gaia FC e antiga jogadora, Francisca Cardoso, e o responsável pela área do Hospital da CUF, Pedro Pessoa, arrancou ao terceiro dia do Portugal Football Summit.
O número é preocupante, mas Pedro Pessoa conseguiu identificar algumas das causas. “A anatomia, em primeiro lugar. A pélvis é mais larga e o joelho tem uma posição diferente, que coloca mais pressão sobre o ligamento. Há outro fator: os estrógenos no ciclo da mulher mudam e, em alguns momentos, o LCA pode estar mais exposto a lesão”, revelou. “Em segundo lugar, a biomecânica também pode ajudar a explicar. Quando uma atleta aterra depois de um salto, a posição do joelho está mais exposta à possibilidade de ocorrer esta lesão. O equilíbrio entre homens e mulheres, bem como o balanço, também são diferentes. E, por fim, mas não menos importante, os elementos psicológicos. Jogador que sabe que vai ficar bem depois de uma cirurgia alcança resultados diferentes”, enumerou o médico.
Francisca Cardoso, atual diretora da equipa de futebol do Valadares Gaia FC contou que passou pela lesão, duas vezes – a reincidência é o dobro nas mulheres – e que apesar do esforço dos clubes há um longo caminho a fazer para que estas diferenças sejam tidas em conta nos inúmeros protocolos de recuperação e prevenção que têm sido desenvolvidos.
“Depois de passarmos por todas as etapas de recuperação, temos de falar com a jogadora. A jogadora é que está em campo, é que sabe como está a sentir-se. Isto é muito importante, apesar de elas quererem sempre jogar. Mas ainda não conseguimos acompanhar tudo. Precisamos de mais jogadoras, mais estudos, mais análises. Tudo o que fizemos até agora foi copiar o que foi feito no masculino, precisamos de uma abordagem feminina, porque as mulheres são diferentes dos homens”, defendeu a antiga jogadora.
Francisco Neto, Selecionador Nacional feminino, concordou com Francisca e insistiu no conhecimento, na relação permanente com os clubes das atletas, com os médicos, com as jogadoras, admitindo que os 12 meses de recuperação para uma lesão LCA parecem muito tempo, mas que a proteção da atleta deve sempre o mais importante. “Uma lesão é péssimo para todos. Numa Seleção, e num país, como Portugal, onde precisamos de mais jogadoras ainda tem um impacto maior. Precisamos das melhores. Um dos problemas é a velocidade a que estamos a crescer e a carga de jogos. As atletas não estavam preparadas, daqui a 10 anos será diferente, e as atletas que chegam agora estão melhor preparadas. Alguns estudos mostram que, nos clubes em Inglaterra, o trabalho feito pelos homens no ginásio é quase o dobro do das mulheres. As coisas estão a melhorar, mas ainda não o suficiente”, exemplificou Francisco Neto. “Temos de cuidar melhor das jogadoras, partilhar dados entre clubes e seleção, ouvir as atletas que devem conhecer bem os seus corpos. Porque elas querem sempre jogar, mesmo que não estejam bem”, disse o treinador da formação lusa.